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O Supereu

  • Foto do escritor: Paulo Russo
    Paulo Russo
  • 15 de jul. de 2020
  • 4 min de leitura

Quem nunca ouviu de alguém (ou de si mesmo) relatos de uma certa voz interna, crítica na maioria das vezes, nos impondo uma certa maneira de agir e pensar, causando sofrimento e angústia, além de um estranho sentimento de culpa? Agindo como um juiz implacável, moralista e até mesmo carrasco, eis o nosso Superego, ou Supereu como alguns preferem.

Freud em sua primeira tópica de 1920 definiu o aparelho psíquico como dividido entre consciente, pré-consciente e inconsciente. A grande descoberta foi de fato o inconsciente, portador de nossa história, nossas dores e traumas, e que através de mecanismos de defesa para proteger nosso aparelho psíquico, foi devidamente recalcado. O que alguns chamam de sintomas, na verdade se trata do retorno desse recalcado, causa de nossas angustias, tristezas, medos e por ai vai.

Posteriormente em sua segunda tópica de 1923, Freud surpreende introduzindo o modelo estrutural da personalidade humana, definindo as instâncias psíquicas como Id, Ego e o Supereu. Esta segunda tópica na verdade é uma complementação da primeira de 1920, e não invalida os conceitos introduzidos na primeira tópica, mas sim as complementa.

No início somos o Id, representante de nosso instintos primitivos e norteados pelo princípio do prazer. Depois se forma o Ego, a partir de nossa primeira ferida narcísica, que é o reconhecimento de nós mesmos como um ser inteiro e dissociado da Mãe (aquilo que Lacan chamou de Estádio do Espelho), e regido pelo chamado princípio da realidade, que diz respeito as realidades externas do ambiente em que vivemos, como cultura, sociedade, regras , valores, etc.. O Ego tem como atribuição a mediação entre os impulsos do Id e as realidades externas. Neste estágio entramos por assim dizer no mundo da linguagem, do simbólico, relacionamos o que sentimos a significantes, que são as imagens acústicas das palavras que nos diz o que algo significa para nós.

Falarei sobre o Id e o Ego em outro texto.

Mas e o Supereu? Freud o definiu como uma nova instância do Ego, representante da Lei, da função dos Pais no que diz respeito a valores morais, da ordem, da justiça, e assim responsável por vigiar, julgar e punir, e muitas vezes, dependendo da estrutura clínica, agindo de forma intransigente e cruel, causando enorme sofrimento e angústia.

Freud descreveu o Supereu como o herdeiro do complexo de Édipo, fase do desenvolvimento psíquico infantil onde o menino investe seus impulsos libidinais (desejo) em direção a Mãe, e para isso estabelece uma rivalidade com o Pai, símbolo da lei e detentor do desejo da Mãe. Nas meninas também ocorre algo semelhante, porém em circunstâncias diferentes. Esse desejo de incesto então é barrado pelo Pai, representante da lei e da proibição, ocorrendo o que a psicanálise chama de processo de castração, processo de interdição aos desejos narcísicos e incestuosos da criança, e fonte de muita angústia e sofrimento. Esta fase dura por alguns anos e sua dissolução (ou resolução) inaugura o Supereu, resultado das identificações da criança com o Pai, seus valores, suas leis, seus códigos morais, mas também da Mãe, das pessoas em volta, inclusive da cultura vigente. É nesta fase que Freud diz que se dá a escolha da estrutura clínica pela criança; Neurose, Psicose ou Perversão.

Diz-se “escolha” devido aos mecanismos de defesa por ela escolhidos (os que irão causar menor sofrimento) para lidar com os conflitos, com a angústia da castração, e é justamente ai que ocorre, dependendo de quão eficaz será a elaboração e resolução da fase edípica, que se desenvolve as tendências que definirão as estruturas clínicas mencionadas acima. A fase do Édipo é de extrema importância para o desenvolvimento da personalidade da criança.

Em diversos casos de Neurose, mas também nas perversões e psicoses, o Supereu age como um carrasco impiedoso, impondo suas leis e imperativos, como uma reedição das situações vividas durante a fase do Édipo e exigindo total obediência a seus imperativos. Assim o sujeito já não precisa de seus pais para censurá-lo, tem o Supereu nesta função, se posiciona como subjugado e se sente culpado e angustiado sem entender a razão.

É o caso do menino que muito identificado com a Mãe teve dificuldades com a rivalidade com o Pai, não aceitou a castração e por consequência teve problemas de identificação com ele, ficando a mercê dos desejos da Mãe e assim não encontrando nenhuma mulher a altura dessa Mãe perfeita. Existe também aqueles que evitaram tanto o conflito com o Pai, por puro medo ou outra dificuldade qualquer, que deram um passo atrás e por isso não conseguiram desenvolver mecanismos próprios de lidar com os conflitos inerentes da vida, e se tornaram pessoas inseguras e depressivas. Meninas identificadas com um Pai inseguro, rivalizando com uma Mãe onipresente e crítica, enfrentam enormes dificuldades de aceitação e baixa autoestima.

Estes são apenas alguns exemplos para ilustrar a importância do complexo de édipo na constituição do sujeito e na formação do Supereu; quanto menos traumático for o processo de castração, no sentido de aceitação e substituição de objetos (paternos e maternos), maiores as chances de se tornar um neurótico dito “normal”.

Na verdade nosso inconsciente está sempre retornando o que foi recalcado, e atualizando o que foi vivido por esta época junto com suas dores e angustias. Claro que existem muito mais complexidades nestes conceitos, e a psicanálise com sua associação livre através da transferência com o analista, busca trazer à tona o que foi vivido por esta época, para que assim o analisante(o sujeito da análise) possa compreender sua história, elaborar uma conclusão e assim achar sua própria via desejante independente do Outro.

 
 
 

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2020 por Paulo Russo Psicanálise

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