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O Enigma do Amor e o Desejo do Outro

  • Foto do escritor: Paulo Russo
    Paulo Russo
  • 26 de jun. de 2023
  • 5 min de leitura

O amor, o que é o amor? Do que exatamente se trata esse afeto? Por que amamos? Perguntas simples, mas que de alguma forma norteiam a vida de todo ser humano. Tema complexo, muito estudado e discutido por várias áreas do conhecimento, e que ainda parece estar bem longe de uma compreensão que possa esclarecer sua função e razão de existir.


Em geral as pessoas acham que uma vida sem “um amor” significa uma vida vazia, sem sentido, e que o caminho natural passaria pelo encontro da “alma gêmea”, que as completariam e as fariam “felizes”, afinal esse ideal de felicidade é o que todos procuram não é mesmo?


Outros, tendo um amor se deparam com inúmeras dificuldades de relacionamento: excesso de controle, ciúmes, inseguranças, queixas estas que são trazidas ao consultório por aqueles que buscam análise. Teríamos então aí um paradoxo? Desejamos um amor, mas quando obtemos nos frustramos? Como é possível isso?

E o que diz a psicanálise sobre isso? Como ela nos ajuda a buscar estas respostas?


Um dos principais temas da teoria psicanalítica, senão o mais importante é o famoso “Complexo de Édipo”, que tanto habita de diversas formas o imaginário de muitos desde a época de Freud; o filho que deseja a mãe e para que isso ocorra deseja eliminar o pai, seu grande rival. Entretanto muito além deste imaginário, da história e do mito do édipo, está articulado uma das mais importantes teorias da constituição do sujeito, ou seja, da criança.

Como sabemos, Lacan buscou em Freud, através da releitura de sua obra, as bases de sua teoria, e foi justamente na fonte do complexo de édipo freudiano que ele desenvolveu conceitos inteiramente revolucionários, ao retirar o aspecto imaginário do mito, pensando o édipo como uma estrutura universal, e através da qual (seus efeitos) se dá a constituição do sujeito e sua estrutura clínica (neurose, psicose ou perversão).

Segundo Lacan, três são os tempos do édipo: o primeiro onde a criança ainda é um bebê e não fala, o segundo onde a criança, já falante (inscrita no campo da linguagem) se defronta com a angústia das ausências da mãe, e o terceiro onde a criança sai do édipo, acha, por assim dizer, uma solução para as questões encontradas no segundo tempo.

Detalhemos um pouco mais.


Primeiro tempo: tempo em que a criança e a mãe, ou qualquer um que esteja nesta função de “cuidador”, são como um no sentido de que a criança depende inteiramente deste outro na interpretação de suas demandas (choro etc.) para satisfazer suas necessidades básicas (fome, sede etc.). Chamamos este tempo de um tempo mítico porque não é possível saber o que de fato a criança sentiu pois ela ainda não está no campo da linguagem (embora a linguagem esteja sempre presente), um tempo supostamente de satisfação e gozo.


Segundo tempo: tempo em que a criança percebe nas ausências da mãe, não ser o “tudo” para ela, aquilo que a completaria totalmente. Neste tempo, considerado por Lacan como o principal, a criança percebe que a mãe deseja algo fora dela, que algo lhe falta (e não é a criança) e é justamente aí que surge a figura do pai (como função) como aquele que supostamente satisfaz o que a mãe deseja, aquele que representa a interdição e a lei, aquele que rouba a mãe e é percebido imaginariamente como onipotente e ameaçador, e como efeito desta falta surge a seguinte pergunta: “o que eu sou para ela?”, questão que se apresenta como um grande enigma para a criança.


Terceiro tempo: tempo de saída do édipo, o terceiro tempo surge como a possibilidade de identificação e apreensão daquilo que o pai possui, que tanto a mãe desejou e que a criança também um dia poderá ter. Chamamos esse objeto de falo, algo tão importante e de valor que se ela o tiver será certamente desejada, assim como minha mãe supostamente o foi pelo meu pai. Esse pai no terceiro tempo surge como a possibilidade de ser o doador deste falo.


Na teoria freudiana o falo significa pênis. Esta abordagem anatômica foi reinterpretada e substituída pelo conceito de falo como aquilo que captura o desejo do Outro. Importante frisar que aqui não se trata necessariamente da figura de um pai e de uma mãe, mas sim de suas funções, podendo assim a estrutura abraçar qualquer configuração familiar.

E o que tudo isso tem a ver com o amor? Vamos então pensar o amor à luz de um desejo na estrutura clínica da neurose (deixemos por hora a psicose e a perversão).

“Amar, é dar o que não se tem”. Esta famosa frase de Lacan nos dá uma pista do que, para ele, estaria por trás deste afeto que tanto mobiliza o ser humano. O que será que queremos dar (e receber) ao Outro e que não temos?


Vimos que no processo do édipo a questão central está em como é percebida pela criança as ausências (falta) da mãe (ou de quem é o responsável por esta função), se configurando em um grande enigma para ela: “o que eu sou para esta mãe? Achei que eu era tudo para ela, mas se ela se ausenta é porque há algo que ela deseja (fora de mim) mais que a mim, e eu gostaria de ser o único objeto de amor dela”. Aqui o que ocorre são os efeitos da falta no Outro sobre a criança, e é justamente na articulação deste enigma da falta, onde a criança supõe que o que a mãe deseja (em sua falta) é o pai (e o que ele tem), que se dá o Complexo de Édipo segundo Lacan, ou seja, a possibilidade de ordenação simbólica da falta no Outro materno. É justamente nessa entrada do pai como representante da lei (e interditor do desejo da mãe) que se abre a possibilidade desta ordenação psíquico-sexual para a criança. Vejamos como.


O que realmente significa para a criança a ausência da mãe? A vivência de uma falta, isso que significa a ausência da mãe, e a forma que encontramos para lidar com este Real definirá, por assim dizer, a nossa maneira de funcionar diante das contingências da vida.

Dizemos de uma forma bem simplificada que a figura do pai entra como um substituto do desejo da mãe, possibilitando aí articular uma metáfora: “meu pai tem algo que faz minha mãe me deixar, e isso me causa sofrimento diante desta falta (e da consequente constatação de uma incompletude) que isso me causa”, e na passagem ao terceiro tempo do édipo, a questão tenta uma saída, uma solução para este impasse: “.... mas apesar deste sofrimento eu também poderei um dia ter isso que meu pai tem e ser o desejo de um Outro(a)”.


Podemos afirmar que é pela via da identificação que a criança poderá resolver em parte este grande enigma e assim sair do édipo com esta falta simbolizada; o falo se torna este objeto de valor, de potência, de importância, que um dia ela percebeu imaginariamente ser a razão das ausências dessa mãe, causa de seu desejo.


Daí a razão de Lacan afirmar que o desejo do ser humano é (ser) o desejo do Outro, um desejo de um retorno à ilusão de completude, de ser tudo para o Outro. Por isso amar é dar o que não se tem, pois o que de fato temos para oferecer é somente a nossa falta.

Mas então o amor nada mais é que uma ilusão? Uma ilusão de completude e de preenchimento de uma falta? Em parte, sim, mas ser capaz de reconhecer esta falta (em si e no outro) e dar ao Outro (e receber) coloca o amor em outro patamar, menos imaginário e mais Real.


É claro que há traços no outro que nos atraem de tal forma que parece impossível compreender, mas precisamos lembrar que a realidade do inconsciente é inexorável, implacável, a ponto de nos fazer questionar o porquê algumas pessoas nos fascinam tanto a ponto de nos fazer sentir completamente reféns, assujeitados. Falaremos sobre isso em outro texto, sobre o conceito de “objeto a” de Lacan.

Por isso um processo analítico é tão importante para compreendermos estas coisas, nosso jeito de funcionar, nosso jeito de lidar com o amor e seus ideais.


 
 
 

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2020 por Paulo Russo Psicanálise

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