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A castração e suas vicissitudes

  • Foto do escritor: Paulo Russo
    Paulo Russo
  • 17 de jan de 2022
  • 5 min de leitura

Como um dos processos mais emblemáticos da psicanálise, a castração se encontra no cerne da formação da sexualidade humana e é considerada um dos conceitos mais complexos da teoria psicanalítica.

Freud abordou o tema em seu famoso complexo de édipo ao falar do desejo sexual das crianças direcionado (na maioria das vezes) ao seu progenitor do sexo oposto, mas podemos pensar na Mãe como sendo sempre o primeiro objeto de desejo da criança, menino ou menina.

Em determinado momento a criança percebe uma sensibilidade maior em sua genitália, e assim inicia seus movimentos de toques, obtendo assim prazer e satisfação, isso ocorre em ambos os sexos, porém no menino a coisa se dá de uma forma diferente, ele percebe que tem algo, visível e externo, que gera prazer e alegria, o seu pênis. A menina também experimenta sensações similares em seu clitóris, mas, digamos que ela percebe este algo anatômico de uma outra forma, menor, escondido. Sigamos em frente.

Também em um determinado momento ocorre uma cena primordial na vida da criança, uma cena determinante e central; a criança vê a vagina da Mãe ou de outra mulher próxima. Para efeito da teoria pensemos aqui em uma cena que foi “apagada” para sempre, uma cena recalcada e que deixou marcas profundas na criança.

Que marcas são essas? Pensemos primeiramente no menino. Imaginemos a seguinte cena (extraído do livro de J.D Nasio, A HIsteria) :

“Um menino é tomado de horror ante a visão da imagem do corpo desnudo de uma mulher - da mãe ou de qualquer outra mulher com quem exista um vínculo amoroso. A visão do corpo feminino, percebido como um corpo privado do pênis, provoca angústia, porque a criança pensa que ela própria possa ser vítima de semelhante castração. Basta que o menino veja sua mãe nua e a perceba castrada para que, imediatamente, tema sofrer o mesmo destino.”

Esta cena remete a uma outra ameaça percebida pela criança, a “ameaça proferida” pelo Pai ante a relação dela com seu grande objeto de amor, a Mãe. Tomado de angústia, o menino vê como sendo real a possibilidade de tal fim ao seu precioso pênis, e daí algumas possibilidades podem ocorrer como possíveis saídas ao impasse do Complexo de Édipo; uma neurose obsessiva, uma histeria de conversão, uma fobia talvez, ou até mesmo uma perversão. Claro que esta cena estará para sempre sob o julgo do processo de recalque no inconsciente e que vários outros fatores determinam o desenrolar desta história, tão central na vida sexual do menino. Uma das saídas apontadas por Freud como sendo a saída dita “normal”, seria o menino, identificado com o Pai detentor do precioso falo desejado pela Mãe, renunciar ao desejo incestuoso pela Mãe e deslocar seu interesse para outras mulheres.

Vejamos o que ocorre no caso da menina (extraído do livro de J.D Nasio, A HIsteria):


“A menina também descobre visualmente o corpo nu da mãe, e

diz a si mesma: "Mas, como ... sou castrada como ela!" Não nos

esqueçamos de que, antes desse momento de descoberta, a

menina, tendo avistado o pênis de um menino, vivia na crença

de que todos os seres humanos possuíam aquela coisa poderosa

chamada falo. Atônita diante do corpo castrado da mãe, e diante

da constatação de sua própria castração, a menina é tomada de

uma intensa vontade de ter o falo que lhe falta, ou de um dia ver

crescer seu falozinho clitoridiano. Tomada dessa cobiça, ela é

imediatamente invadida pela irrupção de um surto de ódio

reivindicatório em relação à mãe, a essa mãe que ela julga

responsável por tê-la feito menina e por não ter sabido

protegê-la, garantindo-lhe a permanência de uma força fálica”.


Diferente do menino, a menina sabe que falta algo a ela, pensa que houve uma castração, consumada e de responsabilidade de sua Mãe e assim se sente prejudicada.

Em ambos os casos há a existência da chamada angústia de castração. A menina se volta para o Pai em busca do falo perdido e o menino também se volta ao Pai, mas para preservar o seu e se identificar com o objeto de desejo da Mãe.

Obviamente estamos falando de uma cena que evoca uma fantasia, e falo não exatamente se refere ao órgão masculino, mas sim a uma questão muito mais profunda e complexa do “quem tem” e de “quem não tem” este algo tão extraordinário e poderoso.

Pensemos agora na função paterna (ao invés do Pai) como a função instauradora da lei, da interdição. Mas como se dá isso e qual a sua importância? Para responder a esta questão imaginemos o menino, totalmente envolto com à Mãe em uma relação de muita dependência e de muito prazer, regado de desejos incestuosos, uma ligação de extrema dependência. Esta criança deseja ser o único desejo de sua Mãe, deseja ser o seu objeto único de amor, em última instancia, o seu falo. Mas ela percebe, pelas ausências desta Mãe que há outros objetos de seu interesse (outro falo) que não ela, gerando dor e sofrimento, causada por estas ausências. A criança chora e esperneia até ter de volta sua Mãe, e assim voltar a ser o único amor da sua vida (voltando a ser seu único falo). E Quanto ao desejo desta Mãe? Desejo mesmo de ter esta criança como seu querido e desejado falo, cujos efeitos na criança podem ser devastadores, e exatamente aí entra a função de interdito do Pai como promulgador da lei. O não do Pai estabelece uma ruptura nesta relação imaginaria de Co dependência com a Mãe, uma interdição que causa muito sofrimento e por isso é recalcada, inaugurando o inconsciente do sujeito, deixando para sempre o gozo idílico desta relação totalizante com a Mãe, estabelecendo a partir daí uma falta fundamental, assim como o desejo inconsciente de obter de volta aquilo que foi perdido para sempre.

Claro que todas estas cenas são, por assim dizer, cenas fantasísticas, oriundas de uma outra cena em que a criança se deparou com a intrigante e angustiante diferença anatômica dos sexos. Também devemos levar em conta não o sexo, mas sim a função paterna e materna no ambiente familiar, não necessariamente exercida pelos progenitores. Na verdade, falamos de uma estrutura edipiana, através da qual a criança se posiciona de determinada maneira, cujas consequências diante da angústia da castração levam a certas escolhas que definem sua própria estrutura clínica (com suas variantes); neurose, psicose ou perversão.

De maneira bem simplista dizemos que na histeria a angústia da castração poderá ser convertida em sintomas corporais, na obsessão em fantasias persecutórias de abandono e desamparo em relação ao Outro, nas fobias deslocamento a objetos externos, assim como nas perversões, e na psicose aparecimento de delírios.

Jacques Lacan foi brilhante ao enunciar o papel da linguagem na formação do sujeito quando disse que nosso inconsciente é estruturado como uma linguagem; sendo seres de necessidade desejamos aquilo que percebemos ser o desejo de quem de nós cuida, pois queremos ser o desejo do Outro, desejo este que se torna como que um enigma para a criança; o que devo fazer ou ter para ser desejado? O que o Outro deseja? E é justamente através da linguagem que estas coisas se estabelecem; o que me foi dito que me definiu como sujeito? Que coisas, dentro de uma cadeia interligada que veio do Outro me definiu como sujeito, que diz quem eu sou? Lacan chamou estas coisas de significantes, símbolos ou signos sonoros que significam algo relativo a mim.

Em linhas gerais é isso que se busca em um trabalho analítico, trazer à cena a cadeia significante inconsciente, seus desejos e toda a sua angústia, e de que forma conseguimos isso? Só há uma maneira, a regra fundamental da psicanálise, fale o que lhe vem à cabeça sem nenhuma censura. Trabalho longo e difícil, mas que vale a pena pela possibilidade de uma nova maneira de ver (e sentir) aquilo que tanto nos faz sofrer.

 
 
 

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2020 por Paulo Russo Psicanálise

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