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A Depressão - o vazio e o desejo de completude

  • Foto do escritor: Paulo Russo
    Paulo Russo
  • 14 de set. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de jun. de 2023

Conhecida como a doença do século a depressão é um dos temas de maior preocupação de saúde mental da atualidade.

Para a psiquiatria a depressão é uma doença crônica que afeta o emocional da pessoa, que passa a apresentar tristeza profunda, falta de apetite, desânimo, pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si.

E para a psicanálise, como ela enxerga este estado? O que estaria por trás deste sofrimento, que nos casos mais graves podem levar a pessoa a ficar o dia todo preso em uma cama dentro de um quarto escuro, ou mesmo ao suicídio? Em primeiro lugar a psicanálise não vê a depressão como uma doença, mas sim como um estado, um sintoma cuja origem advêm de formações inconscientes, e que pode ser revertido se corretamente manejado pelo analista.


Importante colocar em contexto; na psicanálise existem apenas três estruturas clínicas possíveis; neurose, psicose e perversão, todas podendo apresentar sintomas depressivos, porém este texto focará o tema na estrutura da neurose, que é onde se encontram a maioria das questões do público em geral.


Lacan definiu o desejo do ser humano como sendo o desejo do Outro, e na neurose é justamente em relação a este desejo que se articula a posição do sujeito em relação ao Outro.

Na teoria lacaniana, é na entrada no campo da linguagem que a criança (ainda bebê), ser de necessidade, se constitui como sujeito, ou seja, é pela inscrição na linguagem que vem do Outro (pais etc.), que certos imperativos se estabelecem dizendo para a criança o que ela deve ser, ter ou fazer para serem, digamos assim, aceitas e desejadas, caso estes imperativos sejam satisfeitos. Estes imperativos fazem parte daquilo que chamamos de ideal do eu, ou seja, a lista de todas aquelas frases que dizem o que devo fazer, ser e ter para satisfazer a ilusão do desejo do Outro e assim termos a ilusão de completude, totalidade, sem falta alguma, ou seja, a ilusão de que eu sou o que completa o Outro.

Quando o bebê pela primeira vez se reconhece na imagem do espelho como um corpo único e não esfacelado, na famosa teoria do estádio do espelho de Lacan, ela imediatamente busca no adulto mais próximo como que uma confirmação da imagem que vê de si própria, como que se estivesse perguntando, “Sou eu?”, “O que eu sou?”.


O estádio do espelho se estende até os 18 meses aproximadamente, e durante este período a criança ouve e se identifica (ou não) com o que ouve a seu respeito, que pode ser percebido como algo bom, provocando alegria e jubilo, ou ruim, provocando mal-estar.

A partir daí até a saída do Édipo (por volta dos 5 anos - falo disso no texto “A Castração e o Desejo” no meu Blog) todos os imperativos do ideal do eu já estão, digamos assim, interiorizados e fazem parte do supereu, instância responsável por vigiar, julgar e punir nossas ações (ver texto “O Supereu” no meu Blog).


Voltemos às neuroses.


Existem três tipos de estruturas neuróticas; a obsessiva, a histeria e a fobia, e esta classificação é baseada nos tipos de demanda envolvida, ou seja, que desejo inconsciente está por trás desta demanda?

A neurose obsessiva é aquela onde a demanda do sujeito direcionada ao Outro é uma demanda de reconhecimento, o sujeito precisa de elogios, sentir que ocupa uma posição de importância e valorização para o Outro, e quando isso não ocorre se angustia, se sente vazio, em falta, culpado por não ter feito algo que acha que deveria fazer.

A neurose histérica é aquela cuja demanda é de amor, o sujeito precisa saber o tempo todo o que é para o outro, se é amado, quer ser a pessoa mais importante para o Outro, exige provas e vive ao mesmo tempo uma angústia de estar refém deste Outro, uma espécie de paradoxo nesta relação.

A fobia é aquela marcada por um desejo de controle de algo assustador (objeto fóbico) que irá acontecer no futuro, e através deste controle assegurar, garantir (uma ilusão) proteção. Se trata aqui de uma tentativa de antecipar um medo que se encontra lá na frente. O sintoma fóbico fala de um futuro em que nada dará certo, um desejo de saber antes para evitar, prevenir o “dar errado”. Exemplos clássicos de fobia são os de animais, aviões, doenças etc.

Importante pontuar que cada estrutura poderá ter características de outras, mas sempre terá aquelas que predominam e definem a estrutura.


Um dos grandes sofrimentos do neurótico, e causa das depressões, é sentir que ele não atende estas demandas, que não é aquilo que, na sua cabeça deveria ser/fazer/ter (para o Outro), e assim não satisfazer esta lista de exigências (ideais) que marcaram o sujeito durante o período de sua infância, e por isso deprime.


Outro aspecto importante das depressões atuais diz respeito aos imperativos de nossa cultura contemporânea, em especial os das mídias sociais.

Vemos atualmente na clínica um enorme crescimento de casos graves de depressões, principalmente em jovens, onde as pessoas se cortam, se suicidam, dizem não a vida e não conseguem mais sair da cama, e quando se investiga mais a fundo estes casos na análise, percebe-se que há como pano de fundo um terrível sentimento de não satisfação dos ideais valorizados por estas mídias sociais (quantidade de likes, felicidade, alegria, beleza, sucesso etc.), e assim o sujeito se sente uma porcaria e deprime, porque se vê não sendo o que “em algum lugar de sua cabeça” diz que ele deveria ser.


Todos estes processos fazem parte de formações inconscientes, e a direção do tratamento é sempre na investigação e esvaziamento destes ideais de forma a primeiro tirar o sujeito do estado depressivo, e depois continuar a análise até o seu fim, para que ele possa compreender e elaborar suas questões (ver texto “Por que fazer análise” no meu Blog).



 
 
 

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1 Comment


Vinicius
Vinicius
Dec 04, 2023

Excelente artigo, bastante claro e nos trazendo para reflexão da complexidade dos conflitos da mente humana. É muito importante nos atentarmos às nossas atitudes diante das situações e sintomas para trabalharmos na elucidação e identificação das raízes de nossos comportamentos.

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2020 por Paulo Russo Psicanálise

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