top of page

A Castração e o Desejo

  • Foto do escritor: Paulo Russo
    Paulo Russo
  • 20 de dez. de 2020
  • 4 min de leitura


A maioria das pessoas já teve ter ouvido falar do famoso complexo de édipo, teoria magistralmente desenvolvida por Freud a partir da tragédia grega Édipo Rei de Sófocles, onde apresenta suas ideias sobre a sexualidade infantil, baseadas nos desejos libidinais das crianças dirigidos a seus pais, ou quem quer que esteja nessas funções.

Na teoria o menino deseja a Mãe com tanta intensidade, que passa a ver o Pai como rival e com ódio, justamente por significar um obstáculo a seus desejos incestuosos. Na menina, apesar de algumas importantes diferenças, o processo se dá da mesma maneira, porém direcionado à figura paterna. Este período do Édipo (dos 3 a 5 anos no caso do menino) é fundamental para o desenvolvimento da sexualidade do indivíduo, bem como de sua personalidade.

Lacan ao revisitar a teoria de Freud, aprofundou alguns aspectos do Complexo de Édipo, e deu mais ênfase a questão do desejo da Mãe em relação ao menino, e da função paterna como determinante na condução desta relação. Abordarei mais adiante a questão edipiana na menina.

Primeiro sua majestade o bebê percebe sua Mãe como uma única coisa com ela, e fonte de toda satisfação prazerosa (embora inicialmente tudo começou com o desprazer de uma fome), relação esta impossível de descrever dado o êxtase sentido pela criança nos braços de sua Mãe. Aos poucos percebe que este ser, fonte de prazer e satisfação, algumas vezes se ausenta, causando angústia e desprazer, mas que reaparece após um belo choro de protesto. Nessa presença e ausência algo vai se constituindo nas sensações deste bebê.

Em algum momento, entre os 6 meses e 1 ano, essa criança passa pelo que Freud já suspeitava existir (um certo ato psíquico) e que Lacan chamou de Estádio do Espelho em sua teoria da constituição do sujeito, onde pela primeira vez a criança se vê no espelho, e se reconhece como único, separado do outro, formando o que chamamos de ego. Incentivado pelo outro (Mãe, Pai, etc.), a criança vive um verdadeiro júbilo por esta descoberta, ou seja, por se descobrir como um ser único e com forma, com um corpo.

Geralmente por volta dos 3 anos, na fase que chamamos de fálica, o menino começa a demonstrar seus desejos em direção a Mãe (e ocasionalmente a irmãos também), através de atos como mordidas, beijos, etc. É um período de grandes transformações para a criança e também de muitas dificuldades devido a grande quantidade de energia libidinal disponível exigindo satisfação. Importante frisar que aqui não se trata de ato sexual genital, impossível para o grau de maturidade de uma criança, mas sim desta energia libidinal, que nesta fase dirigem os desejos incestuosos da criança em direção (geralmente) à Mãe.

Nesta fase se torna muito importante como que uma certa gestão destes desejos infantis, a luz dos desejos da Mãe em direção ao filho, que em muitos casos se torna por demais excessivo e angustiante para a criança, falamos aqui de um excesso de Mãe. A função paterna entra justamente nesse contexto, como balizador destes desejos da Mãe, e por conseguinte dos desejos da criança; o pai, inicialmente visto como um rival odioso por representar um perigo para a criança de perda da Mãe, exerce depois uma função fundamentas de interdição destes desejos libidinosos, tanto em direção a Mãe, como também em direção ao menino. Chamamos este processo de castração; “tu não podes ter esta mulher, pois ela é minha”. É a instauração da lei pela função paterna. Esta lei priva e limita, mas também protege e ampara.

Dependendo de como a castração ocorre, o menino tende a abdicar da mãe para não perder seu “pênis” (falarei deste assunto em outro artigo) e assim possuir o “falo” ou potência, que veio do Pai como identificação, e se prepara para encontrar seu objeto de amor perdido (a Mãe) em outra pessoa e em outra fase. Obviamente as coisas podem não se passar exatamente desta maneira, mas o importante aqui é que nesta fase se define a sexualidade da criança, bem como sua estrutura psíquica, pois de como a criança lidou com a resolução de seu édipo é que surgem os sintomas que a acompanharão na fase adulta. O recalque inconsciente desta fase será determinante na vida do sujeito.

Este objeto perdido da Mãe, vazio angustiante, antiga relação imaginária, se torna causa do nosso desejo, o que Lacan chamou de “objeto a”, impossível de ser resgatado, mas direcionador de nossos desejos.

A Menina, ao contrário do menino, embora inicialmente também dirige seu desejo em direção a Mãe, passa a ver no Pai seu grande amor, muitas vezes desejando ser seu marido, e desejando o “falo” que ela pensa não ter, por perceber que algo lhe falta em relação aos meninos, algo que lhe parece ser muito importante, um “pênis”. É justamente no manejo desta falta que as coisas acontecem no caso da menina.

Como herdeiro do complexo do édipo surge uma nova instância psíquica, o superego. Em meu artigo anterior abordo em mais detalhes esta instância, cuja função é de vital importância nos casos de neurose obsessiva e também em alguns casos de histeria.

Vemos cotidianamente na clínica, quando mal resolvido, os frutos deste período tão fundamental para o desenvolvimento do sujeito, os tais sintomas tão doloridos como culpa, ansiedades, medos e pânicos, depressões, baixa autoestima, etc.

O foco da psicanálise está justamente no descortinar do saber inconsciente do sujeito, na compreensão da história que o levou a se fixar em tais e tais sintomas, e principalmente na descoberta de seus próprios desejos, e assim o libertar das amarras que o fazem tanto sofrer e que o impedem de seguir seus próprios desejos, apesar da “dor e beleza de ser o que é”, como nos diz o poeta Caetano.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
A castração e suas vicissitudes

Como um dos processos mais emblemáticos da psicanálise, a castração se encontra no cerne da formação da sexualidade humana e é...

 
 
 

Comentários


11 955703989

2020 por Paulo Russo Psicanálise

bottom of page